quarta-feira, 2 de julho de 2014

Entrevista de John Frusciante ao Noisey - Junho/2014

Matéria publicada e traduzida pelo site Universo Frusciante.

John Frusciante foi entrevistado por Ezra Marcus pelo site de música americano Noisey. Na entrevista, John fala sobre seu relacionamento com a música, samples, explica seu apelido Trickfinger e sobre suas frustrações enquanto membro do Red Hot Chili Peppers. Confira a entrevista traduzida pelo site Universo Frusciante:



A AGONIA E O ÊXTASE DE JOHN FRUSCIANTE

Me lembro do dia em que meu primeiro CD dos Red Hot Chilli Peppers chegou pelo correio. O título Blood Sugar Sex Magik me assustou, então encomendei o Greatest Hits. Escutei como um jovem leão degustando sua primeira gazela: rasgando "Californication", chupando a costela de "Otherside", tirando fiapos de "Scar Tissue" de meus dentes. O Chilis transmitiram emoção cru e sangrenta em doces anzóis com carne. John Frusciante ancorava o sentimento com finesse. Seus riffs enganosamente simples apareciam com inocência e experiência. A juventude nunca teve um gosto tão óbvio. 

Uma década mais tarde, eu estou no telefone com o assessor de imprensa de um homem que muitos consideram o melhor guitarrista moderno. "Se você quer um Frusciante feliz, há um tópico que você deve evitar: Red Hot Chili Peppers".

A relação tumultuada de Frusciante com os Chili Peppers é lendária. Ele se demitiu em 1992, enlouquecendo com a popularidade da banda. Lutou contra drogas e depressão durante anos antes de voltar em 1998 para Californication, e saiu de novo em 2009. Foi quando ele sumiu do mapa para a maior parte do mundo. Sua produção criativa não diminuiu: nos últimos três anos, ele produziu um álbum de hip-hop para os Black Knights, afilhados do Wu-Tang Clan, e lançou três álbuns solo, cada um mais estranho do que o último. Seu mais recente, Enclosure, saiu em abril deste ano. Ele contém drum&bass, hip-hop, lampejos de IDM (Intelligent Dance Music), samples, batidas oitentistas, falsetes e uma boa dose de shredding. Tudo vem junto em "Fanfare". Frusciante lamenta e "crooneia" sobre um coro de fundo, sobre épicos italo synths, e uma grande bateria dos anos 80, concluindo com um solo espaçado. É facilmente a música mais estranha de alguém no Rock and Roll Hall of Fame.

"Frusciante deus da guitarra" te dá 73.000 resultados no Google. Para a maioria das pessoas, ele sempre será aquele belo homem de vinte e poucos anos, de cabelos compridos, rasgando suas bolas na frente de multidões em estádios. Um deus do rock, canalizando solos derretedores de mente do nada enquanto Kiedis e Flea fazem movimentos de energia na frente. Funcionou por um tempo. Mas a saída de Frusciante dos Chilis e lançamentos posteriores mostram uma tensão entre sua imagem pública e coração artístico: para Frusciante, a guitarra sempre foi apenas um meio para um fim. 

"A música para mim é apenas um templo sagrado que eu quero estar. Ter sucesso? Isso não é uma habilidade musical que você pode desenvolver! Eu tenho que estar sempre estudando todos os tipos de música diferentes... caso contrário eu me mataria".

Como deuses, Frusciante é menos Baco (quem sabe Kiedis) do que Hefesto, o deus ferreiro. Ele é um técnico magistral com um coração místico. Ao longo de um conversa por telefone de uma hora, ele descreveu sua devoção à música como arte. Ele invocou o papel da alma no ato de samplear, encerou teoricamente sobre o hip-hop, e espontaneamente, falou sobre seu tempo com "a banda". Perguntas simples provocaram enrolamentos, respostas complicadas. O tom de sua voz nunca mudou, mas eu podia sentir as décadas de frustrações reprimidas em sua dissecação sobre a dinâmica da banda e sobre indústria da música. Igualmente presente foi o propósito e a clareza que ele encontra na composição, a crença quase religiosa na música como uma força transcendente. Ele é brilhante, idiossincrático e de base inquestionável. Ele ouve a música em sua "cadeira especial". Ele pode ser a última esperança da humanidade. Ele é o único, o único John Frusciante.

ENTREVISTA

Noisey: Como você começou a fazer música eletrônica? 
John Frusciante: Cerca de um ano antes de voltar ao Red Hot Chili Peppers, eu podia ver na minha cabeça que o meu estilo de composição e instrumentos eletrônicos funcionariam muito bem juntos, sintetizadores, drum machines, breakbeats e outras coisas. Apenas em 2006 que comecei a tomar conhecimento dos instrumentos que uma pessoa como eu poderia realmente se aprofundar. Então, sabe, houve a minha descoberta de todos os antigos instrumentos dos anos 80 da Roland, esses são os tipos de instrumentos que alguém com meu tipo de mente iria recorrer.

Me conte sobre sua técnica de samplear. 
Samplear me dá a oportunidade de estudar a música sonoramente, e estudar os detalhes das relações de ritmos de uma nota para outra nota. No começo foi muito intimidador para mim, porque eu estava muito preso a pensar em música e gravação como algo que eu recorto. Eu ouvia pessoas como Autechre e Venetian Snares, mas eu não tinha nenhuma ideia de como uma gravação é transformada em uma música completamente diferente. Com o sample, sua alma encontra o caminho na música para transformá-la em outra coisa. Às vezes as pessoas ficam tão em pensar em música como algo que supostamente é pra ser prazeroso que você se esquece de que ter qualquer instrumento é como ter uma guerra. Nunca deixo de lado esse aspecto do meu relacionamento com a guitarra. Se não estou lutando com alguma coisa, sinto que não estou fazendo nada, e com samples é absolutamente a mesma coisa. É como estar em uma batalha contra o sample. É o exercício da adoração da força da música, e acho que a ideia de música como propriedade é uma forma defeituosa de um músico pensar na história da música.

Música como propriedade? 
Sim, acho que as pessoas não devem pensar em suas músicas escritas como sua propriedade. Embora eu ache que pensar em música como propriedade seja bom para os empresários, acho que isso teve um efeito desastroso sobre a forma como os músicos pensam, para que eles tenham uma atitude tão gananciosa sobre algo tão ilimitado quanto a música. As antigas músicas folk foram passadas de pessoa para pessoa ao longo de gerações. Eu não sei o que a indústria musical faz para forçar todo mundo a pensar nisso como várias propriedades. A música não é um objeto, é uma força maior do que nós e que devemos ter uma atitude mais religiosa em relação a ela.

Eu acho que é realmente assustador para as pessoas pensarem em si mesmos como agentes criativos individuais, e não como um ponto de interface de algo maior. 
Tenho a sensação de que estou na igreja ou algo assim quando estou fazendo música, porque parece que é algo que desce e se revela para mim. É como se fosse um ofício. Então, eu trabalho na parte da habilidade disso, na parte da capacidade disso, então permito que as partes mais místicas de tudo isso sejam coisas que estou ciente como um estudante ou...

Um coroinha?
[Risos] Sim, pode ser, como um receptor, como alguém que acredita na força do poder da essência da música como algo maior do que si.


Me conte sobre seu apelido "Trickfinger". 
Oh, bem, esse nome era apenas algo que minha esposa dizia que de vez em quando, quando eu ia fazer algo extravagante na guitarra [risos]. É também como os meus rappers me chamam.

Como você começou a trabalhar com os Black Knights? 
Eu tinha feito uma música com Monk antes, que conheci através de RZA, e passamos um bom tempo juntos ao longo dos últimos 6 anos ou mais. Eu pensei "Ok, agora hip-hop pode ser interessante para mim, porque eu poderia estar pensando nele como criação de espaço sonoro e criação de variações rítmicas do espaço, que é o que o groove é". Fizemos umas 50 músicas no ano passado e as primeiras onze são as que colocamos em nosso primeiro álbum.

Qual é o seu álbum de rap favorito dos últimos anos?
Ah, eu não gosto de nenhum, eu acho.

O que está faltando para você? 
Nos últimos vinte anos, eu queria que o hip-hop tivesse mais samples. Eu sempre adoro quando RZA faz hip-hop. Ele é o meu produtor favorito. Os dois primeiros álbuns do Eminem com o Dr. Dre foram, para mim, o exemplo mais ambicioso de um artista tentando preservar a essência do hip-hop, sem empregar o uso gratuito de samples. Mas, em geral, eu gosto de música mais velha. Quando algo é novo, você não sabe o que está guiando, você só sabe que está vindo. Gostaria de salientar que eu não faço hip-hop porque adoro hip-hop mais do que qualquer outro tipo de música. Acho que o hip-hop é uma forma muito maleável, que absorve qualquer outro estilo de música. Com o hip-hop pode haver synth pop, pode have música clássica, pode haver jazz. Enquanto a batida é pesada, melodicamente a música pode ser qualquer coisa.

Sim, não há limitações. 
Quando você toca em uma banda de rock, o vocalista está ouvindo a música e a música depende dele, os músicos estão o ouvindo e o seguindo, e todos estão tentando tocar no tempo para que o vocalista possa os seguir, e eles estão o seguindo, acontece essa estranha combinação de todos os vários membros ouvindo uns aos outros em diferentes formas e há certas hierarquias em vigor por causa disso, enquanto que no hip-hop a música tem total independência do rapper. Se o rapper está fora do tempo da música, isso não faz os músicos tocarem fora do tempo porque a música é o que é, a batida é imutável até depois dos rappers rimarem. Enquanto eles estão rimando, a música vai por conta própria.

Então você sente maior liberdade como produtor?
Escrever músicas com um vocalista, tudo isso é um tipo de interação musical, o vocalista pode ter uma ideia de algo que a música deve ter e a música tem que ser algo que o vocalista pode cantar, pode memorizar e tudo mais. Com um MC, assim como as caixas estão no lugar onde deveriam estar, e que podem rimar até fora do tempo, você pode ter todas estas liberdades musicais que uma pessoa em uma situação de composição tradicional nunca teria.

Certo. 
E eu aprecio a independência que tenho com eles, porque sempre confiei na minha visão criativa. Eu achava muito desgastante e cansativo ter que discutir com as pessoas sobre música. Como eu disse, a música para mim é apenas este templo sagrado que eu tenho que estar dentro, ela não precisa ser uma fonte de agravamento, uma fonte de frustração, um motivo para discutir com seu amigo, um motivo para ferir os sentimentos de alguém ou fazer alguém se sentir mal. Eu sempre tive que lidar com esse tipo de merda, por isso é um prazer ter nada mais além de pessoas comigo pensando "temos que fazer isso juntos".É uma celebração. Enquanto não houver todos aqueles estágios de planejamento, trabalhos destinados a outras pessoas contratadas e tudo aquilo, vai me parecer que a música pode ser apenas a criação de uma composição sonora diretamente da inteligência do homem. Conflitos de personalidades não precisam entrar nisso para se fazer música, e dar ordens a pessoas não é necessário para se fazer música. Sempre achei que fosse, mas acontece que não é.

Me conte mais sobre as frustrações que você encontrou ao longo dos anos em estúdio. 
A música pode realmente ser apenas um ato produtivo, não tem que ser uma questão de "não, eu não gosto disso" ou "essa parte não está funcionando comigo". Mas esse é o tipo de merda de estúdios, o que sempre foi! Ou você diz sim a algo ou diz não a algo. Estes não são termos musicais, sabe? Você não está ficando mais perto da compreensão da música escolhendo essas coisas como uma maneira de criar música. Coisas que visam em uma banda pop, ser grudenta? Ser acessível? Isso não é uma habilidade musical que você pode desenvolver! Eu acho que é um desperdício, tanto dinheiro é gasto por artistas pop profissionais e artistas de hip-hop, visando esses objetivos que não são os musicais, são apenas objetivos de tentar alcançar a pessoa comum. Esses nunca foram os objetivos de compositores clássicos, ou músicos de jazz. Se você está pensando de uma maneira que não tem nada a ver com a música, você está desrespeitando a música. Você está tratando-a como se fosse um objeto que está lá para te servir, em vez de algo que é maior do que você, que você tem sorte de ser parte.

Você está ilustrando uma distinção entre a música para agradar e a música para elevar. 
Para mim, isso é o que a música é. Eu adoro ouvir música religiosa e outras coisas, como Bach, quando Bach escrevia suas coisas para corais. É o espírito de adorar alguma coisa, é algo maior do que você, que você não entende e que você tem muita sorte de ser capaz de ter condições para pensar um pouco melhor para a compreensão daquilo. Você vai se esforçar toda a sua vida, e ainda assim não vai realmente entender, mas ainda vai estar fazendo música e crescendo durante todo esse tempo, sabe? Mas para o senso crítico, isso não é suficiente para ajudar o corpo da música a crescer, porque estão usando a música como algo - como você disse -  para servir o desejo humano. Eu definitivamente tenho um desejo de ouvir música, que está programado em mim, mas quanto mais tenho um desejo de chamar a atenção das pessoas para fazer essa música, assim como querer usar a música para maximizar a quantidade de dinheiro que eu vou receber a partir dela, ou algo assim, mais eu simplesmente me recuso a pensar dessa forma. Fico contente por ter mergulhado tanto como fiz quando eu estava na banda, porque tenho que pensar em termos musicais para ser feliz, caso contrário, eu me mataria, sabe?

Você pode me contar especificamente sobre como essas dinâmicas se encaixavam no Red Hot Chili Peppers? 
Algo sobre o impacto dos primeiros dois anos estando na banda, quando eu tinha vinte anos, o impacto que isso teve sobre mim me separou da minha forma de ver as coisas e também fiquei extremamente insatisfeito com minhas composições, descontente com meu jeito de tocar guitarra, infeliz de estar na banda, era horrível para mim. É assim que eu vejo essa experiência dos primeiros dois anos que eu estive na banda, sei que não é meu privilégio da música ela estar lá para me servir. Se eu pensar nisso dessa forma, se eu pensar "Quero que as pessoas pensem sobre mim dessa maneira", então eu vou fazer esta tarefa musical e esta tarefa musical não. Eu teria me matado ou algo assim. Era horrível, me senti horrível por estar pensando dessa maneira, então depois disso comecei a realmente criar um modo de não fazer isso. Eu não poderia usar Flea e Anthony como modelos, porque eles são diferentes do que eu sou. São grandes artistas e não precisam trabalhar na música tanto quanto eu preciso para ser eficaz nela. Eu tenho que estudar todas as formas de música pop, jazz, música clássica, eletrônica e rock. É assim que eu tenho que viver para estar em sintonia comigo mesmo, sabe? Então, quando eu tinha uns 21 anos foi quando comecei realmente entrar na minha zona, a ficar na minha casa, parei de olhar a vida como se eu fosse algum artista popular. Comecei a realmente me preocupar em estar sempre em desenvolvimento como músico. Mas aí quando saímos em turnê para o Blood Sugar Sex Magik, eu desmoronei, porque parei de fazer isso. Diferente de quando voltei à banda em 1998, onde eu sempre tinha a certeza de que eu sempre tinha meus headphones, meu CD player, sempre tinha um tempo para sentar no meu quarto ou na minha cadeira especial e tocar guitarra. O que eu não entendi na primeira vez foi que se eu não cultivar a minha compreensão de música constantemente, eu desmorono.

Sim.
Eu realmente não sabia o que estava acontecendo dentro de mim, eu só sabia que eu me sentia como se minha vida fosse apenas um lugar mágico que eu era capaz de viver quando estávamos gravando Blood Sugar Sex Magik e escrevendo para ele. No momento em que estávamos há alguns meses em turnê, eu me senti nostálgico ou algo assim. Tipo "Sim, eu costumava ter essas coisas, agora acabou para mim". É uma loucura pensar em um garoto de 22 anos de idade pensando isso, mas eu realmente pensei que era o fim. Eu realmente desisti, não pensei nisso como "Eu vou chegar em casa, praticar muito, recolocar minha cabeça na música". Acho que não foi nem uma opção, eu estava me sentindo horrivelmente mal por ter sido tirado das minhas fontes de felicidade e alegria. Mas, desde 1998, tenho sempre a certeza de que estou mergulhado na música, e isso nunca falhou comigo, tem sido um período de crescimento consistente nesse tempo todo.

Você se sentiu preso pelo álbum, incapaz de flexionar a força criativa. 
Sim, é estranho. Eu sou diferente da maioria dos músicos profissionais nisso. Geralmente, músicos profissionais terminam uma música e falam "Beleza, terminamos!". Quando terminam todo o álbum, eles tem esse sentimento de "Agora começa a diversão!", sabe? Está pronto o objeto que o povo vai comprar, o objeto vai nos vender, e que todo mundo vai aplaudir e tirar foto. Para a maioria dos músicos profissionais, essa é uma fase emocionante de se estar, mas para mim sempre foi um saco. Parecia que eu tinha perdido um querido amigo quando o álbum era terminado, sabe? Essa coisa toda de usar um álbum para se promover e tratar a música como se fosse algo que você está usando para ganhar o máximo de dinheiro, isso não combina comigo. Seria como ser infiel à sua esposa. Você tem tanta sorte da música existir, e de repente começam a tratá-la como um escravo ou algo assim, isso nunca pareceu respeitoso para mim. Se eu não estou vivendo e pensando em constante devoção à música e nunca me desviando de pensar nela como algo maior do que eu, eu desmorono.

Agradecimentos: Universo Frusciante.

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